sábado, 15 de setembro de 2012

O Cantinho

          Desde que o desenho da Bruna sumiu do armário da Elvira, os ingressos para o Corinthians x Juventus criaram pernas e desapareceram da maleta 007 do professor Geraldo, enquanto o proprietário aproveitou o intervalo para ir ao banheiro deixando a valise aos cuidados do seu Pereira, e uma pessoa não autorizada que adentrou a escola “as barbas dos vigias”, indo parar na sala do coordenador pedagógico, sem que este estivesse no recinto, o clima no colégio Dom Pedro estava como a de um vulcão em plena atividade, a diretora andava nos cascos e quando estava azeda; ai daquele que cruzasse o seu caminho. Não bastasse o descompromisso do professor Manuel, agora tinha de conviver com um, “gatuno” zanzando pelo ambiente de trabalho, e lidar com a incompetência dos responsáveis em garantir “proteção” a todos, mas que não conseguiam impedir a um casal de tartarugas de fazerem sexo se esse fosse o desejo dos pobres animais de casco duro e olhar remelento.  - Olha gente, hoje ela tá com a macaca, parece que tinha espinho na cama, acho que o Valdemar não tá dando conta do recado.  Se eu fosse vocês botava as barbas de molho. Foi esse o conselho que dona Lucicleide distribuiu aos colegas depois de deixar a xicrinha fumacenta na sala da chefa.  Ligeiro como ninguém, Paulão passou zíper na boca e tratou de pentear o bigode de vassoura com pente fino longe dos olhos de quem quer que fosse.
           Na hora que foi chamado a prestar depoimento na salinha azul, seu Pereira que era quase cor de rosa ficou parecendo uma cereja: vermelhinho, vermelhinho. É bem verdade que dos três episódios citados, só poderia ser responsabilizado por um, mas como quem não tem sorte é azarado, deu a infelicidade de alguém gritar seu nome justamente na hora que a chefa ia saindo da secretaria. Olhou para os lados, assobiou para lá, assobiou para cá, coçou a cabeça prateada e com o lencinho milagroso secou a testa suada, fingiu que não era consigo “de longe parecia um elefante africano tentando esconder o traseiro gordo atrás de um pé de bananeira”. Viu seu mundo cair quando a diretora o olhou com a cara de “se está disfarçando é porque tem culpa no cartório”.
          Para o almoço de confraternização não convida, agora para me comer o toco...  - Tô cansado de ser tratado desse jeito. - A gente faz das tripas coração para deixar esta portaria como manda o figurino e ainda tem de ouvir desaforos. - Pode esperar que têm troco! Se Deus quiser hei de encontrar um político chapa quente que me arranje um cantinho na Regional para eu descansar meu esqueleto, nem que para isso tenha que acampar na porta da Câmara Municipal.
 – Eu disse que a bicha estava azeda, não disse? – E quem podia imaginar que o rabugento do coordenador ia gritar meu nome justo na hora que a megera estava passando. Parece que o maldito fez de proposito! – Aquilo não vale nada seu Pereira, é um baba ovo, isso é o que ele é. – Pode deixar! No dia que tiver virado numa que "ronca e fuça" o galhudo me paga. – Essa eu quero assistir de camarote, Pereirinha! – A senhora me aguarde! Bem fez seu Norberto que deu o cano, e o Pé de Vento que tirou licença.  – E onde foi parar seu Bene? Hoje não o vi remexendo o traseiro murcho dentro daquela calça foló que não vê água há quinze dias? – Ontem avisou que a mãezinha está adoentada. Vai pegar uns dias para cuidar da velha. – Eita coisa boa! Agora eu vi tudo. – A senhora não viu nada, amanhã mesmo irei ao hospital do servidor passar em consulta. Quem sabe Deus abençoa, e consigo pegar uma licencinha de uns trinta e poucos dias. Ultimamente estou sentindo um formigamento nos braços, uma fraqueza nas pernas, uma leseira no corpo que só me da vontade de dormir.  – Xiiiiii! Meu compadre começou assim.  – E o que era? – Não sei?  – Não acredito!  – Pois é! O coitado morreu antes de dar entrada no hospital.  – Se dona Lucicleide soubesse como estou não brincaria desse jeito. – Perdão seu Pereira acabei me esquecendo da ensaboada, e o senhor também não me falou que estava no bico do urubu. – É porque sofro calado! – Se está como diz, por que não foi ao médico homem de Deus? – Não queria deixar a portaria “desprotegida”. Se adivinhasse que ia levar uma espinafrada dessas, teria fingindo de morto e ficado em casa. – É bom pra ficar esperto! A gente morre e a escola fica ai seu bobo. Eu quando estou com meus problemas, não penso duas vezes. Já falei com a chefa, sábado é aniversário do meu netinho e na sexta-feira vou dar umas pernadas lá pelas bandas da 25 de Março. – Hoje! Foi hoje que a senhora falou com a bruaca? – Deus que me defenda seu Pereira, do jeito que ela está ia me engolir viva. – Admirei a senhora dizer que ia faltar na sexta. – Como vocês são bestas! Tem dia certo para gente pedir essas coisas, seu Pereira. – Dia certo!? E que diabo de dia é esse? Eu preciso saber, ultimamente só estou levando na tarraqueta. – Eu vou contar, mas vê se não espalha. – Ô dona Lucicleide, pode ficar tranquila, juro por tudo que é mais sagrado que da minha boca não sai um nadinha. –Vou confiar, mas se abrir o bico vai me quebrar as pernas. – Fique sossegada, eu sou um tumulo. – A primeira coisa a fazer é observar. – Observar o quê?  – O senhor tem de prestar a atenção na hora que ela chega. – O que quê tem? – Se chegar distribuído sorrisos, cantando feito galinha caipira que acaba de botar o ovo atravessado, pode chegar junto, a danada virou os olhinhos, Valdemar deu um suador na nela. Agora se aparecer com a cara amarrada, sai de perto que vem chumbo grosso. E meu filho, quando a chefa chega cantando, o senhor pode pedir até dinheiro que ela empresta. – A senhora tem certeza? – Claro que tenho! Acha que conseguira dar meus perdidos, se não soubesse dessas coisas? – Dona Lucicleide! – Vai por mim Pereirinha! Agora pare de choramingar, com vinte anos de casa já devia conhecer a diretora com quem trabalha. Sabe que a coitada anda nervosa mesmo é com o sumiço do professor Manuel. – Ué! O macumbeiro desapareceu, e eu é quem pago pato? – Eu não disse homem de Deus que no dia que a bicha chega azeda ela descasca o abacaxi no primeiro que vê pela frente. É bom pro senhor ficar esperto, da próxima vez sebo nas canelas – Olha dona Lucicleide tem vez que eu penso, não fosse à Marivalda uma chaminé ambulante e por conta desse maldito cigarro até meus pulmões estão ficando comprometidos, e do malandro do seu irmão que vivi a me perturbar, “ora pedindo uma coisa, ora querendo outra”.  Eu já contei para a senhora do dia que o sovina levou a mulher e a renca filhos para almoçar lá em casa, e quando a Marivalda pediu para que levasse o refrigerante, o miserável apareceu com uma latinha de Coca de 350 ml, que mal dava para matar a própria sede? – Umas vinte vezes! E também do franguinho garnizé que o avarento levou para ceia de Natal, o bichinho era tão miudinho que mais parecia uma codorninha esgarçada. – Essa eu tô careca de saber – Pois é, se não tivesse esses inconvenientes pediria a contagem de tempo hoje mesmo. A senhora acha que na minha idade sou obrigado a ouvir desaforos? – Claro que não seu Pereira, mas se depois de tudo que falei continuar insistido nessa conversa vou achar que ao invés de bronca, o senhor merece é uma surra com vara de sabugueiro. E tem mais, entre morrer de câncer em casa e morrer de raiva aqui, é melhor ficar na escola, pelo menos está ganhando seu dinheirinho. O senhor sabe que depois que a gente aposenta o salário cai pela metade, não sabe? Já pensou! Quando seu cunhado descobrir que está atoa. Não vai sair da sua porta pedindo um dentinho de alho, duas colheres de café, um copinho de açúcar, uma pitadinha de sal.... – Deus que me defenda. É capaz de eu largar minha patroa. – Então vai por mim, logo-logo a raiva passa e tudo volta a ser o que sempre foi. Agora me de licença. Vou dar no pé antes que a dona encrenca me veja.
           Com essas palavras, dona Lucicleide pôs fim ao assunto e partiu pisando firme para o quartinho da bagunça arrumar sabe-se lá o que.