sexta-feira, 22 de junho de 2012

O Bilhete

           Querida filha, na hora que encontrar este bilhete provavelmente estarei bem longe. Conhecendo-a como a ninguém sei que ainda com a roupa de dormir irá vasculhar a casa buscando em vão minha presença. Impetuosa, azucrinará sua mãe com uma bateria de perguntas deixando-a enfurecida, como se a pobre tivesse resposta para tudo a sua volta. Insatisfeita com o que ouviu e com a determinação de um pirata que busca o tesouro perdido revirará seu quarto de fio a pavio a procura de qualquer mensagem. Dando-se por vencida e com os olhos marejados deitará na cama por arrumar, com a cabeça sobre o travesseiro se perdera em pensamentos angustiantes até surgir a brilhante ideia de procurar na mochila, por achar improvável que  tenha partido sem ao menos lhe deixar um bilhete. Sei que está chateada e não é pra menos, afinal saí sem me despedir, e a última coisa que esperava do seu velho pai é que esse partisse sem ao menos lhe dar um beijo, “sabe como me sinto com esse negócio de despedida”, por outro lado, tenho consciência que jamais me deixaria ir sem antes ter de explicar os motivos que me levaram a trocá-la por compromissos “inadiáveis”.
            Embora já se sinta uma mocinha e pense como tal, existem coisas que só ira compreender quando tiver mais idade, por enquanto cabe a esse velho marujo fazê-la entender que se estou me ausentando é por uma causa nobre, em breve saberá “você sempre sabe”. Sugiro que ao invés de cultivar a tristeza com a minha partida, lembre-se dos momentos maravilhosos que passamos, de o quanto fomos felizes durante esses dias. Pode parecer frase feita, mas, o importante não é a quantidade de tempo que passamos juntos e sim, a qualidade das emoções que vivemos nesse curto período, pense nisto...
             Durante os dias que estive em casa, conversei longamente com sua mãe e pelo que ouvi de você notei que a convivência entre ambas não tem sido das melhores (às vezes me culpo por não estar por perto quando mais precisam de mim, nesses momentos chego a me questionar se esse trabalho vale o sacrifício). Ela anda preocupada com aquela história do desenho, (aliás, eu também estou apreensivo), pois acredita que está lhe escondendo algo, seja lá o que for, sugiro que deixe as diferenças de lado e tentem se acertar.  Lembre-se de que para atravessar uma montanha é necessário dar o primeiro passo, se alguém tiver que fazê-lo em direção a reconciliação, que esse alguém seja você.  Por mais que acredite que a sua forma de pensar é a correta, saiba que a verdade tem pelo menos dois lados e não é demérito reconhecer as próprias fragilidades. Volto a repetir que cada pessoa tem uma forma de expressar seus sentimentos, esse jeitão aparentemente carrancudo de sua mãe talvez seja a única maneira que encontrou para demostrar o quanto te ama. Na hora da verdade irá descobrir que apesar das diferenças que acredita existir entre vocês, ela será capaz de dar a própria vida para defendê-la, fara isso sem titubear.
             Termino dizendo que a vida é maravilhosa e devemos aproveitar o que de melhor ela têm para nos oferecer. Como o tempo também é curto, não podemos nos dar o luxo de desperdiça-lo com coisas vãs. Por isso, erga a cabeça, enxugue as lágrimas, abra o coração, solte um sorriso, e de um abraço apertado na sua mãe, aposto que ela vai adorar, e eu também.  
                                                                                   Te Amo!
                                                                                                                

 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A Blitz

Assim como chegou, o pai da Bruna partiu. Foi sem se despedir, como chegou sem avisar, era assim que preferia, era assim que tinha de ser. Antes de a filha esconder o novo desenho, o “galã grisalho” como ela o chamava, estava na metade do caminho. Triste ficou e não podia ser diferente, a menina o amava e a reciproca era verdadeira, em sua companhia a filha queria partir para qualquer lugar, ou a lugar algum. O tempo foi pouco “cinco dias”, mas a intensidade muita. Juntos foram à feira, ao teatro e ao parque de diversão. Comeram comida japonesa, churrasquinho de gato, descansaram no sofá e trocaram confidências. Ela querendo saber mais do que devia e ele respondendo menos do que sabia, coisas entre pai e filha. Com a Dolores se divertiram no centro da cidade e no cinema fizeram guerra de pipoca. Poderia ter se despedido, claro que sim, mas a tristeza seria maior, o bilhete na mochila daria conta do recado e se não desse, em breve estaria em casa novamente. Na briga entre a emoção e a razão, deixou o senso de responsabilidade fazer o que tinha de ser feito. E assim abandonou a cama antes de o portuga levantar as portas da Nova Esperança.
         Com a cabeça nas nuvens e o pé no acelerador cortou ruas e avenidas sem perceber que ao final da curva sinuosa, a polícia iniciava uma blitz. Carros para direita, carros para a esquerda e ele todo apavorado tendo que pisar no freio para não atropelar os militares.  – Encosta! O apressadinho, tá indo para onde? Tá fugindo de quem?  – De ninguém, não senhor! – Então por que a pressa? – Pressa alguma, estava distraído. – O senhor sabia que a distração pode causar acidentes? – Sim! – Se sabe do perigo deveria ficar atento! – Desculpe seu guarda! – Guarda não, cabo! – Perdão cabo, não costumo andar a essa velocidade, hoje infelizmente sai atrasado e acabei me excedendo – Então não foi distração? – Foi!!!  – Mas o senhor não acabou de dizer que saiu atrasado? – Sim!  – Então não foi distração e sim pressa. – Mais ou menos! – Não existe mais ou menos, senhor. É uma coisa ou outra. – Tem razão!  – Razão em quê, senhor? – Que não existe mais ou menos. – Então...? – Para ser sincero o relógio não despertou e acabei perdendo a hora, saí às pressas e deu no que deu. – Entendo! O relógio não desperta, o senhor sai de casa atrasado e quase atropela os polícia que estão tentando ganhar o seu pão de cada dia a essa hora da manhã?! – Me desculpe cabo, hoje realmente estou com a cabeça no mundo da lua, acho que foi a noite mal dormida. Entendo! – Tenho um encontro importante com uma cliente muito influente – Cliente é, sei! Carteira de habilitação e documentos do veículo.  – Só um instante. – Desligue o motor, tire a chave do contato e desça do veículo, o polícia Ramires vai verificar a documentação? – Pois não! – Enquanto aguardamos, irei vistoriar o automóvel. – Ok!  – Vamos começar pelo extintor!  – Não entendi! – Gostaria de ver o extintor. – Ah! Sim! Um minutinho.  – Ao contrário do senhor, não tenho pressa alguma. – Está aqui!  – Deixe-me ver! Me parece um homem bem precavido. – Por quê? – É o primeiro extintor que vejo dentro da validade! Sem medo de errar, esse é um item de segurança que as pessoas não observam, é como se estivesse ali de enfeite, alguns nem sabe que existe, e quando sabem, não conhecem o seu funcionamento.  – Não é o meu caso, o troquei na semana passada. – Perfeito, se o extintor está em ordem vamos ver as luzes, acenda, por favor. – Quais!? – Todas! Setas, farol alto, baixo, luz de freio. – Muito bem! Abra o porta-luvas. – Não entendi!  – O senhor tem problema de audição? – Não! – Então abra o porta-luvas; quero vistoriá-lo – Ah sim! – Cabo! – Pois não, soldado! – Nada consta! O sujeito está limpo, os documentos em ordem e o tenente Amorim o aguarda no rádio! – Assuma a vistoria polícia, se terminar primeiro que eu me chame antes de liberá-lo.  O senhor me de licença, enquanto falo com o comandante. – Á vontade, cabo!
           Tem dia que parece noite e é melhor nem sair de casa, foi o que lhe passou pela cabeça ao ver o soldado com olhos ave de rapina e jeito de galinha das canelas secas ciscando em baixo dos tapetes.
– Levante os bancos!  – Pois não!  – OK! Aqui está tudo em ordem, agora vamos ver o porta-malas. – O porta-malas? – Sim, por quê? Há algo lá que o senhor quer nos esconder? – De jeito nenhum! – Então iremos verificá-lo. – O soldado é quem manda!  – Abra! – Calma vou abri-lo.  – Que cheiro é esse! O que andou carregando nesse carro, defunto? – Água, seu guarda! Na pressa deixei uma garrafa de água entreaberta, quando me dei conta o estrago já estava feito. – Obrigado soldado, agora eu assumo. Que cheiro de carniça é esse no seu carro, senhor? – Estava acabando de dizer para o soldado, como era mesmo o nome dele? – Ramires, soldado Ramires! – Pois bem, estava explicando ao soldado Ramires que na pressa deixei uma garrafa de água entreaberta e quando fui olhar... – Entendo! O que não consigo compreender é por que está sempre apressado. – Sabe que nem eu. – E a que cargas d’água o senhor deixa uma garrafa entreaberta justamente no porta-malas se o lugar mais correto seria guardá-la no porta objetos do carro. – Distração, sabe como é...! – Cuidado! Um dia essa distração pode lhe custar caro! – Vou seguir o seu conselho. – Triângulo, estepe. E essas malas? Está de viagem? Não! Roupas do dia-a-dia! Sendo do dia-a-dia o senhor não vai se importar que dê uma olhada: Claro que não! – Abra! – Só um instante!  – Hum! Atlas de anatomia. Trabalha na saúde ou coisa parecida? – Não! O estudo nas horas de folga. – Interessante, é a primeira pessoa que vejo estudar o atlas de anatomia nas horas de folga, sem ao menos trabalhar na área. – Hoby – Hoby estranho esse, eu prefiro jogar sinuca. – Cada um faz o que gosta. – Tem razão, nesse tempo de polícia já presenciei coisas que até o diabo duvida.  – Acredito – Está tudo em ordem! – Então estou dispensado? – Ainda não, preciso preencher o talão de multas.  – Por quê? – A placa dianteira! – O quê que tem? – Está inelegível. – Como! – A placa está apagada senhor, aparentemente não da para identificar as letras. – Como não!  – A tinta quase não existe. – Só me faltava essa! O filho da mãe está querendo reforçar os cofres para a campanha? – O que disse? – Esse governador medíocre está querendo fazer o caixa para a campanha com o meu dinheiro.  – Isso quem está dizendo é o senhor, mas lhe asseguro que desde a morte do casal de religiosos e do desaparecimento do rabino, o secretário de segurança pôs a corporação em estado de alerta, inclusive deslocando os polícia do serviço interno, para as ruas. Operação pente fino, sabe com é... A ordem de capturar os meliantes custe o que custar vem tirando o sono dos comandantes, ai já viu...  – Faça o seu trabalho, cabo! – O senhor pode se considerar um homem de sorte. – Sorte!? – Sim! Pois se tivesse caído nas mãos do sargento Morales a sua canseira seria maior, talvez quisesse apreender o veículo para investigar a origem desse cheiro.  – Seus documentos!  – Obrigado!  – Boa viagem! – Bom trabalho!
          À media que a imagem dos policiais sumia do retrovisor, como um pensamento atrevido que vem e vai sem que a gente saiba quando ele veio e quando foi embora, o galã grisalho foi acometido de uma sensação de alívio, num suspiro profundo soltou o seu. Ufa! Essa foi por pouco.